domingo, 25 de julho de 2010



"E toda sua finura, misturada com energia, estava nos olhos - olhos pequenos e negros, brilhantes como contas de ônix, de uma penetração aguda, talvez insistente demais, que perfurava, se enterrava sem esforço, como uma verruma de aço em madeira mole."

Eça de Queiroz

segunda-feira, 19 de julho de 2010



N
ão sei que tipo de instinto me leva a postar aqui de novo. Parece que este blog me atrai assim como a lua atrai as marés... de ciclos em ciclos, a maré oscila entre alta e baixa... e assim também oscila o meu interesse - e a minha criatividade (?) na escrita.
Mas talvez exista sim um motivo especial para que eu retorne ao uso da palavra para desaguar sentimentos... talvez alguma influencia (ou influenza) tenha me feito voltar a pensar tal qual escritora.
Mas enfim ? Por que estou dizendo isso ? E pra quem ?
Comunicação Falha
Crise de Identidade...
Espaço da alma onde navegam mais incertezas do que divagações... E um oceano de descobertas trêmulas, esperando que uma frase de espanto consiga abranger sua profundidade.
E uma pequena centelha de esperança, uma pequena chama de algo muito vivo, incendiando de formula lenta um coração que a tanto tempo aguarda o aportar de um novo amor.


Decaimento (?)


O sol já se desmaiava lançando os últimos raios sobre a cabeça aloirada de Gabriel. O garoto não conseguia prestar atenção no jogo de futebol que acabara de começar e, sentado no banco tangente ao campo, mantinha a cabeça baixa e curvada para tentar parar de pensar nas coisas horríveis que vinham invadir sua cabeça. Mesmo com parte do rosto coberta pela sombra de uma árvore, sua mente estava fervilhando de sentimentos confusos e desejos irrefreáveis. Tinha ódio de si mesmo. Ódio por ser tão estúpido.

E, pensando nessas coisas, mal percebeu os passos que se aproximavam do lugar onde estava. Súbito, sentiu dois braços o enlaçarem pronunciando palavras irritadas:

_Maninho, por que você nunca mais veio me ver?

Maria o apertava reclamando:

_Você prometeu que nos veríamos hoje! Só porque papai e mamãe estão separados não quer dizer que devemos nos separar também!

Gabriel se desvencilhou dos braços da irmã com fúria, replicando:

_Você já está bem grandinha. Pare de se comportar feito criança e vá achar seus amiguinhos.

Virou-se para olhá-la. Notou seus olhos inocentes o fitarem com amargura e mágoa. O olhar de anjo amoleceu seu coração. Desejou profundamente que Maria não tivesse vindo encontrá-lo, podia ser extremamente perigoso para ambos os jovens. Maria, ao ver do garoto, era uma representação de tudo o que era divino e angelical. Alem de possuir os olhos límpidos de qualquer maldade, tinha o tom dos cabelos dourados perfeitamente igual à cor da íris: no mais puro ouro liquido.

Aliás, à luz amarelada do entardecer, os dois pareciam pequenas estátuas de ouro, tal era a semelhança entre a face dos dois. A diferença, pensou Gabriel, estava na expressão. Enquanto a de Maria era alegre e vivaz, a dele era carrancuda e mórbida.

O corpo delicado - como Gabriel reparou entristecido - começava a apresentar as curvas de uma mulher, mas a graça infantil ainda o impregnava. Gabriel mordeu o lábio e cogitou um suicídio. Maria se afastou carregando uma expressão chorosa.

_Tá bom. Se você quiser, eu vou embora.

A menina virou-se e deu uns dois passos. Gabriel se castigou mentalmente e respondeu grosseiro:

_Já que está aqui mesmo, fique. Acho que tenho uns minutinhos pra gastar aturando você.

Maria retornou com os olhos brilhando, fazendo Gabriel ficar com mais raiva de si. Virou o rosto para que a irmã não percebesse a aflição em seu rosto, mas fracassou na tentativa.

_Está com algum problema, maninho?

_Claro que não. Só estou... cansado.

_Por que você gosta de me evitar? O que foi que eu fiz?

_Você é estranha.

Maria perturbou-se. Olhando para o gramado, já meio alaranjado e coberto de folhas secas, perguntou cautelosamente:

_Como está a mamãe?

Gabriel respondeu, com o rosto escurecido pela sombra, ainda sem querer olhar para o rosto da irmã:

_Ela me odeia. Ela pensa que sou um anormal, que posso machucar alguém.

E completou no pensamento: "É justamente o que eu posso acabar fazendo”. Ao completar a frase, levantou-se rapidamente, justificando:

_Bem, já chega de besteiras. Preciso ir.

Pegou a mochila encostada e deu os primeiros passos em direção à rua. Sabia que precisava de alguma coisa que pudesse entorpecer seu cérebro, e rápido. Ainda pode ouvir os brados de Maria:

_Ei, espera aí!

Gritou:

_Me deixe em paz!

Lançou um último olhar em direção ao rosto meigo, porém triste. Saiu caminhando sem olhar mais para trás. Queria fugir pra qualquer lugar, se esconder do mundo, se matar em qualquer esquina.

"Por favor, meu Deus, proteja essa criança desse monstro que eu sou."

***

Já era bem tarde quando Gabriel resolveu aparecer em casa. Tinha olheiras profundas e o semblante esgotado. Havia passado o dia inteiro fora para não ter que olhar na cara da mãe.

Trancou o portão, bateu a porta mal-humorado e fez menção de subir as escadas em direção a seu quarto. Da sala ecoava o barulho agudo de algum desenho animado. O jovem temeu ser o que estava imaginando... desviou-se das escadas se aproximou do sofá, dando de cara com a irmã estirada com os olhos pregados na tela. A menina revirou os olhos e o fitou levemente, enquanto Gabriel perguntava furioso:

_O que você está fazendo aqui?

Foi a voz contrafeita da mãe que lhe respondeu:

_Maria estava com saudades de mim e resolveu dormir aqui em casa esta noite. Por que? Algo contra?

Gabriel sentiu a raiva aflorar de seu peito novamente. Estava contra tudo e contra todos, especialmente sua mãe e sua irmã. Virou-se em direção as escadas bradando:

_Escuta aqui, pirralha, nem pense em entrar no meu quarto, entendeu?

Foi subindo nervoso os degraus, querendo novamente explodir alguma coisa. Sim, ele realmente era um anormal, como a mãe previa. Pensava até em fugir daquela casa, ficar longe daquelas pessoas... principalmente de Maria. Gabriel tinha medo do que seus impulsos poderiam fazer a irmã, tão inocente e tão linda...

***

Gabriel se revirava entre os lençóis, tentando conter seu segredo trancaficado consigo. Já passava de uma da manhã... o garoto caia em sonhos loucos e ao mesmo tempo reconfortantes, acordando com ódio de si logo depois. Levantou e perambulou um pouco pelo quarto, sentando na cama logo em seguida, já sabendo que não dormiria mais. Levou as mãos ao rosto e fez uma oração, mesmo duvidando da existência de Deus.

Não podia se deixar levar por instintos. Nem sempre se pode ter tudo na vida, e ninguém sabia disso melhor do que ele. Mas precisava de uma coisa que apaziguasse sua mente, entorpecesse seu corpo e seus sentidos, e por fim, matasse suas vontades loucas. No escuro do quarto, na ausência de qualquer paliativo, era quase impossível se controlar. E a ânsia chegava, se interrompia, retornava... em um vai e vem insano.

A porta rangeu e a claridade feita pela fresta recém-aberta deixou o quarto à meia luz. Passos leves invadiram o lugar. Gabriel levantou o rosto e viu, apavorado, a imagem cândida da irmã trazendo-lhe um copo d'água. Trêmula, Maria sussurrou:

_Eu sei que você não gosta que eu entre aqui... mas estava ouvindo muito barulho... e não resisti.

Faltou pouco para Gabriel gritar a plenos pulmões. Em vez disso, se limitou a murmurar revoltado, com todos os monstros internos de seu corpo chiando:

_Suma daqui! Já disse que não era pra entrar! Me deixe sozinho!

A menina insistiu em se aproximar, dizendo:

_Gabriel, o que você tem? Por que você age assim comigo?

Alucinado, o garoto continha todo seu corpo para não pular em cima da menina. Deu seu último aviso:

_Sua demente! Quer que eu te mande para o Inferno?

Maria se limitou a responder com as primeiras lágrimas caindo de seus olhos áureos:

_Mas eu te amo tanto...

Gabriel estava enlouquecido. Aproximou-se febrilmente da irmã e segurou seus braços com força. A menina fitou os olhos furiosos com medo. Os olhos exatamente da mesma cor. Olhos que, no lugar de plenitude, irradiavam insanidade e violência. Em uma fração de tempo, os dois se olharam fixamente, como se estivessem eletrificados. Até que, impetuosamente, Gabriel beijou-a.

Beijou-a nos lábios com toda sua insanidade. Como sempre quisera, como sempre sonhara, como havia sonhado durante todos aqueles anos de amor proibido enclausurado dentro de seu peito. Beijou-a com força, mesmo sabendo que isso mudaria completamente a condição de irmão que os dois compartilhavam. Naquele momento, seu corpo não mais o pertencia, e sim a alguma coisa entre o ápice do deleite e o abismo da aversão.

Agora já não tinha mais volta, ele havia mandado Maria para o Inferno.